quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Folhetim

Folhetim
Chico Buarque
1977 / 1978

"Folhetim" foi composta entre os anos de 1977 e 1978 para a peça "Ópera do Malandro", por Chico Buarque.

"Folhetim" focaliza a figura da prostituta que oferece os seus encantos - "Se acaso me quiseres / sou dessas mulheres / que só dizem sim.." -, tema idêntico ao da composição "Love For Sale", de Cole Porter, proibida e depois liberada nos anos 30.

Mesmo antes de terminá-la, para uma personagem da "Ópera do Malandro", Chico Buarque já pensava em entregá-la a Gal Costa para gravar. Assim aconteceu, com Gal Costa cantando-a acompanhada por músicos como Wagner Tiso, Perinho Albuquerque, autor do arranjo, e Jorginho Ferreira da Silva, em criativa intervenção ao sax-alto.

Escrita por Chico Buarque, baseada na "Ópera dos Três Vinténs", de Kurt Weil e Bertolt Brecht, e na "Ópera dos Mendigos", de John Gay, a "Ópera do Malandro" conta a história de dois malandros rivais, Max e Duran, e apresenta uma alentada trilha musical em que se destacam, além de "Folhetim", canções como "Homenagem ao Malandro", "O Meu Amor" e a intrigante "Geni e o Zepelim".

Diga-se de passagem que a "Ópera dos Mendigos", uma sátira à sociedade inglesa do século XVIII, é considerada uma obra revolucionária por ter levado canções populares para o teatro operístico.

Embora seja uma música composta para a peça, Chico Buarque explica que muitas vezes o personagem não era tão claro quanto quem iria cantar.

"Então, às vezes, eu pensava no ator ou na atriz que iria cantar. Mas, às vezes, a atriz que iria cantar cantaria só no teatro, porque não era uma cantora profissional. Então  misturava, na minha cabeça, a encomenda da personagem, a atriz e a cantora que eu gostaria que gravasse aquela música. Assim saíram  canções como "Folhetim", que tinha a cara de Gal Costa e que servia pra personagem!"

Herbert de Souza, o Betinho, foi o primeiro a ouvir a canção, através de  uma ligação telefônica que Chico Buarque e o cartunista Henfil fizeram para o Canadá, onde o sociólogo estava exilado.



Folhetim

Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa
Uma noitada boa
Um cinema, um botequim
E, se tiveres renda
Aceito uma prenda
Qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa
Um sonho de valsa
Ou um corte de cetim

E eu te farei as vontades
Direi meias verdades
Sempre à meia luz
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis

Mas na manhã seguinte
Não conta até vinte
Te afasta de mim
Pois já não vales nada
És página virada
Descartada do meu folhetim


Fonte: Livro 85 anos de Música Brasileira Volume 2, 1ª Edição, 1997, Editora 34

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Não Chore Mais

Não Chore Mais
Gilberto Gil
1979

"Não Chore Mais" é um clássico, lançado por Gilberto Gil no disco "Realce" (1979), em uma versão trilingue: a letra em português e inglês e a melodia jamaicana, mas com tudo junto e misturado no melhor estilo tropicalista.

O compositor e cantor Gilberto Gil, postou explicações sobre a música "Não Chore Mais":

"Eu pensava na transposição de uma cena jamaicana para uma cena brasileira a mais similar possível nos aspectos físico, urbano e cultural. Emblemática do desejo de autonomia e originalidade das comunidades alternativas, 'No Woman, No Cry' retratava o convívio diário de rastafaris no 'government yard' (área governamental) em Trenchtown, e a perseguição policial, provavelmente ligada à questão da droga (maconha), que eles sofriam. Esta situação eu quis transportar para o Parque do Aterro, no Rio de Janeiro, também um parque público, onde localizei policiais em vigília e hippies em rodinhas, tocando violão e puxando fumo, como eu costumava vê-los de noite na cidade. Coincidindo com o momento em que a abertura política estava começando, 'Não Chore Mais' acabou por se referir a todo um período de repressão no Brasil."
Sobre a canção  "Não Chore Mais", Gilberto Gil explica que "Minha tradução para o refrão-nome foi uma escolha arbitrária, porque eu nunca entendi direito o que os autores queriam dizer com o proverbial 'No Woman, No Cry'. Até procurei, mas não tive meios de saber. Alguns me disseram que a expressão significa 'Nenhuma Mulher, Nenhum Problema'. Eu pensei em 'Nenhuma Mulher, Nenhum Choro', um adágio local talvez. E também numa possível forma em inglês dialetado para o correto 'No, Woman, Don't Cry'.
Optei por algo próximo disso inclusive porque, assim, eu me aproximava mais do sentido dos outros versos da música, uma espécie de lamento pela perda dos amigos e pela presença perturbadora da repressão que, na versão pelo menos, adquire um ar de canção de despedida, com o homem dizendo à mulher que está indo embora, mas que isso não é o fim do mundo, e que é pra ela se lembrar do tempo dos dois juntos etc. Uma instauração de um espaço afetivo que eu até hoje não sei se o original contém."

Sobre as palavras "Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais", Gilberto Gil comenta:

"Eu não pensava em ninguém especificamente; a tradução vinha diretamente dos versos em inglês, com o detalhe do uso do termo 'presos' - surgido naturalmente com a lembrança do modo de atuar da repressão, através das prisões, torturas e mortes de pessoas."

E a sua explicação para a frase "Melhor é deixar pra trás", ele diz:

"Há uma certa licenciosidade interpretativa aí. 'You can't forget your past' ('Você não pode esquecer o seu passado'), diz o original. Me referindo ao período que estava terminando no Brasil, eu digo: 'Vamos passar a borracha nisso tudo. O passado tem um débito conosco, mas vamos dar um crédito ao futuro'. Uma posição típica da minha ideologia interna, do meu otimismo, do meu gosto pela conciliação, do traço tolerante da minha personalidade."


Não Chore Mais 

No woman, no cry
No woman, no cry
No woman, no cry
No woman, no cry

Bem que eu me lembro
Da gente sentado ali
Na grama do aterro, sob o sol
Ob-observando hipócritas
Disfarçados, rondando ao redor

Amigos presos
Amigos sumindo assim
Pra nunca mais
Tais recordações
Retratos do mal em si
Melhor é deixar pra trás

Não, não chore mais
Não, não chore mais
Oh! Oh!
Não, não chore mais
Oh! Oh! Oh! Oh! Oh!
Não, não chore mais
Hê! Hê!

Bem que eu me lembro
Da gente sentado ali
Na grama do aterro, sob o céu
Ob-observando estrelas
Junto a fogueirinha de papel

Quentar o frio
Requentar o pão
E comer com você
Os pés, de manhã, pisar o chão
Eu sei a barra de viver
Mas, se Deus quiser!
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé
Tudo, tudo, tudo vai dar pé

No woman, no cry
No woman, no cry
No woman, no cry
Uh! Uh! Uh!

Não, não chore mais
Menina não chore assim
Não, não chore mais
Oh! Oh! Oh!
No woman, no cry
No woman, no cry
Não, não chore mais
Não chore assim
Não, não chore mais
Hê! Hê!

terça-feira, 2 de junho de 2015

Meu Mundo e Nada Mais

Meu Mundo e Nada Mais
Guilherme Arantes
1976

A importância que as trilhas sonoras de telenovelas desempenham para a história de nossa canção é grande. Além de tornar a trama, ora mais leve, ora mais pesada, dependendo dos apelos das cenas, as canções marcam as personagens e estimulam emoções no ouvinte-telespectador. Elas, como que, complementam a personagem. Sem esquecer, claro, o alcance de público.

Como somos seres carentes, circular e infinitamente, do canto do outro, ao assistirmos alguém, a personagem de ficção, vivenciando algo que encontra eco nas nossas necessidades íntimas e particulares, e aquele momento é emoldurado por uma canção, esta canção entra, pelas portas da empatia e da afetividade, na nossa constituição de sujeitos.

É assim que muitas vezes as canções ultrapassam os limites da televisão e figuram nas vidas reais embalando momentos particulares de quem assiste à novela. Seja como for, ao colarmos uma canção a um tempo e a uma imagem, no caso uma cena de novela, algo que atravessa nosso cotidiano por um bom par de tempo, facilitamos que ela, a canção, dure mais: Ressoe em nossa caixa acústica interior. Isso, não só ajuda a difundir a canção como também a torná-la perpétua em nós: ouvintes.

"Meu Mundo e Nada Mais", de Guilherme Arantes, do ano de 1976, é um destes casos. A canção apareceu na novela "Anjo Mau" (1976) e nunca mais parou de tocar: Seja pelo poder de fixação da imagem televisiva, seja pela própria canção em si, sua mensagem, letra e melodia.


Competente pianista, Guilherme Arantes criou um acompanhamento melódico e harmônico que investe nas potências daquilo que a letra diz. A bela introdução indicia a voz de um sujeito que, chafurdando em restos de vida, canta a paz perdida.

Ao sustentar as vogais, no final de alguns versos, o sujeito parece querer manter, ou rever, a vida que perdeu. Fera ferida, o que lhe importa agora é juntar os caquinhos de um velho mundo a fim de projetar um novo.

O sujeito percebe, com dor, que não há "verdades verdadeiras". Tudo muda o tempo todo e a vida, neste momento, exige mudanças. A certeza dá paz. Mas, o mundo é feito de incertezas, ou melhor, de ficções: verdades construídas, montadas e frágeis. O sujeito percebe isso e tenta (de)escrever o seu livro do desassossego.

Desencantado da vida (ele que tinha tudo e cantava), o sujeito está mudo: não há mais porque cantar, se as motivações cessaram. A reflexão interna do sujeito transparece como um desabafo íntimo: A vontade de esquecer a causa do desencanto.

Mas, como ver luz no fim do túnel se estamos na curva, na crise, na fronteira entre o sim e o não? Como voltar a sorrir sem amargura depois da ferida? Como superar a quebra permanente das estabilidades? Eis as questões!


Meu Mundo e Nada Mais 

Quando eu fui ferido, vi tudo mudar,
das verdades que eu sabia.
Só sobraram restos, que eu não esqueci,
toda aquela paz que eu tinha.

Eu que tinha tudo, hoje estou mudo,
estou mudado.
À meia-noite, à meia-luz pensando:
Daria tudo por um modo de esquecer.

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto,
à meia-noite, à meia-luz sonhando:
Daria tudo por meu mundo e nada mais.

Não estou bem certo se ainda vou sorrir,
sem um travo de amargura.
Como ser mais livre, como ser capaz,
de enxergar um novo dia.

Eu que tinha tudo, hoje estou mudo,
estou mudado.
À meia-noite, à meia-luz pensando:
Daria tudo por um modo de esquecer.

Eu queria tanto estar no escuro do meu quarto,
à meia-noite, à meia-luz sonhando:
Daria tudo por meu mundo e nada mais.


quarta-feira, 27 de maio de 2015

Nuvem Passageira

Nuvem Passageira
Hermes Aquino
1976

Sucesso da novela "O Casarão" (1976), que tinha no elenco grandes nomes da dramaturgia brasileira, como Paulo Gracindo, Yara Côrtes e Mário Lago. A canção logo caiu no gosto do público pela beleza da música e letra coberta de figuras de linguagens românticas.

Do disco "Desencontro de Primavera" (1977) e com melodia para lá de intencional, cheia de elementos sonoros que ratificam a mensagem leve da letra, "Nuvem Passageira" é um belíssimo poema tematizando o efêmero da vida, defendendo a tese de que devemos viver intensamente cada oportunidade da nossa existência terrena.

Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.

Tudo na vida é transitório, nada do que somos ou fazemos é permanente, eterno. O próprio passar do tempo se encarrega de transformar. As nuvens são assim, elas passeiam pelo céu e nunca estão paradas e mudam de forma a cada momento que as vemos. O vento dá movimento e, quando você menos percebe, elas já desapareceram de sua vista. Assim somos nós. Por analogia podemos dizer que o tempo é o vento que provoca as alterações de nossas vidas. A relação pode ser feita também com um cristal em que se dedica cuidados especiais, como se fosse uma preciosidade que não se deprecia. Todo mundo sabe que um cristal quando se quebra não tem remendo. Jamais será o mesmo que foi antes da queda que o fez se quebrar.

Não adianta escrever meu nome numa pedra,
pois esta pedra em pó vai se transformar.

Nesses versos o autor realça a certeza de que nada é para sempre. Por mais que se imagine a solidez de algo, tornando-o permanente, comparando-o com a pedra, por exemplo, a realidade tem demonstrado que no decorrer do tempo o que era pedra pode virar pó. O nome escrito na pedra desaparecerá e ficará apenas a lembrança do que fez, na intenção de deixar um registro que nunca se apagaria.

Você não vê que a vida corre contra o tempo,
sou um castelo de areia na beira do mar.

O autor começa a valorizar a consciência de que a vida deve ser vivida intensamente a cada instante, porque ela passa rapidamente ao correr do tempo. Novamente usa a imagem de um castelo de areia construído à beira mar para denotar a fragilidade do nosso existir. Basta vir uma onda do mar para fazer ruir o castelo de areia. Então, que esse castelo seja útil enquanto estiver de pé, sem o risco de ser alcançado pelas águas da praia.


A lua cheia convida para um longo beijo,
mas o relógio te cobra o dia de amanhã.

Muitas vezes somos seduzidos por desejos circunstanciais e nos entregamos a eles como se fossem infinitos. Esquecemos que o amanhã já nos cobrará outras atitudes, outras posturas, outras formas de viver a vida. Daí a necessidade de aproveitar ao máximo cada momento da vida.

Estou sozinho, perdido e louco no meu leito,
e a namorada analisada por sobre o divã.

A ideia do sujeito sozinho e cheio de impulsos no leito, enquanto a namorada está analisada no divã, pontua a quebra radical diante das cobranças do tempo. Dizendo o que é, desenhando uma imagem para si, o sujeito investe naquilo que mina, que não tem forma fixa, a fim de convidar o ouvinte à vida: "Você não vê que a vida corre contra o tempo", diz.

Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva,
não quero nem saber de me fazer, ou me matar.

Fugir das preocupações. "Dançar na chuva", quer dizer fazer o que lhe der prazer, atirar-se na vida. Não se angustiar com a possibilidade da morte ou com as dificuldades que possa enfrentar no dia a dia.

Eu vou deixar um dia a vida e a minha energia,
sou um castelo de areia na beira do mar.

A decisão é fazer valer toda a sua capacidade de viver enquanto puder, para que não se arrependa quando "o castelo de areia" estiver sendo desmanchado pelas águas do mar. 

O sujeito se eterniza na vivência plena de cada ato, na experimentação cotidiana: aproveitar a lua cheia, por exemplo. Qualquer possível certeza de solidez é apresentada pela fragilidade que ela possui. É o caso da pedra que "em pó vai se transformar".

"A curta expectativa de vida é o trunfo dos impulsos, dando-lhes uma vantagem sobre os desejos", escreveu Zygmunt Bauman no livro "Amor Líquido". O sujeito de "Nuvem Passageira" quer guardar o mundo pelo transitório, na fragilidade dos laços, naquilo cujas consequências não ultrapassam a superfície da pele.


Nuvem Passageira

Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.

Não adianta escrever meu nome numa pedra,
pois esta pedra em pó vai se transformar.
Você não vê que a vida corre contra o tempo,
sou um castelo de areia na beira do mar.


Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.

A lua cheia convida para um longo beijo,
mas o relógio te cobra o dia de amanhã.
Estou sozinho, perdido e louco no meu leito,
e a namorada analisada por sobre o divã.


Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.

Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva,
não quero nem saber de me fazer, vou me matar.
Eu vou deixar um dia a vida e a minha energia,
sou um castelo de areia na beira do mar.


Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Das Duzentas Pra Lá

Das Duzentas Pra Lá
João Nogueira
1972

No início da década de 70, o governo de Emílio Garrastazu Médici assinou um decreto estendendo para 200 milhas o limite do mar territorial brasileiro. Comemorando a medida, em 1972 João Nogueira faria letra e música de "Das Duzentas Pra Lá", que festejava:

Esse mar é meu
leva seu barco pra lá desse mar
tem rede verde-e-amarela
no azul desse mar

Em seu livro, Paulo Cesar de Araújo classifica a música como uma canção adesista:

"Algumas pessoas podem não enxergar assim, só porque foi o João Nogueira, um cara do samba, da raiz, da Música Popular Brasileira, quem gravou a música. Mas me pareceu uma patriotada dele. Se por exemplo os seus autores fossem Dom & Ravel, "Das Duzentas Pra Lá" seria adjetivada de ufanista e eles seriam crucificados."

O aumento da faixa de mar territorial foi bem-recebido por praticamente todos os setores da sociedade brasileira, o que, segundo Paulo Cesar de Araújo, reflete o clima ufanista daqueles tempos. João Nogueira, que morreu em 2000, foi figura atuante no processo de redemocratização do país, participando a partir da década de 80 de campanhas de partidos progressistas, como o Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Leonel Brizola.

Se a música sertaneja de José Mendes apoiava o decreto presidencial de "peitar" os Estados Unidos "na marra", o samba de João Nogueira também dava o seu aval.

A música "Das Duzentas Pra Lá" foi gravada por Eliana Pittman e chegou aos primeiros lugares das paradas de sucesso.

Nas palavras do próprio  João Nogueira:

Mesmo depois que comecei a gravar, eu compunha e dava a músicas para cantores. O cantor me pedia música e eu dava música pra ele.
Aí nessa mesma ocasião eu dei uma música para a Eliana Pittman que fez um grande sucesso. Fez até sucesso internacional. Era uma música que falava da plataforma continental, das duzentas milhas marítimas que o Governo brasileiro tinha implantado.
Até chegaram a me confundir com a turma que fazia música para a Revolução. Mas não era nada disso não porque depois que essa música fez um grande sucesso... isso aí saiu na revista Time... meu samba saiu na revista Time e eu trabalhando na Caixa Econômica. Dizia o seguinte:
Quando o embaixador americano veio ao Brasil para tentar diminuir a extensão da plataforma marítima, o embaixador brasileiro disse o seguinte: Agora já não há mais tempo porque todo o povo brasileiro já canta um samba que diz: "Vá jogar a sua rede das duzentas para lá. Pescador dos olhos verdes vá pescar noutro lugar!"
(João Nogueira - TV Cultura, Programa Ensaio)


Das Duzentas Pra Lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Vá jogar a sua rede das duzentas para lá
Pescador dos olhos verdes
Vá pescar em outro lugar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

E o barquinho vai
Com nome de caboclinha
Vai puxando a sua rede
Da vontade de cantar
Tem rede amarela e verde
No verde azul desse mar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Obrigado seu Doutor pelo acontecimento
Vai ter peixe, camarão
Lagosta que só Deus dá
Pegou bem a sua idéia
Peixe é bom pro pensamento
E a partir desse momento
Meu povo vai pensar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Traduzir-se

Traduzir-se
Poema de Ferreira Gullar
Música de Fagner
1981

"Traduzir-se" é um poema de Ferreira Gullar publicado em 1980, no livro "Na Vertigem do Dia". O poema foi musicado por Raimundo Fagner em 1981.

Embora tenha colocado, com rara beleza, a letra no clássico "Trenzinho do Caipira", de Villa LobosFerreira Gullar declarou não ter muita habilidade para colocar letra em música já pronta, o inverso, no entanto, é verdadeiro: a poesia de Ferreira Gullar é extremamente musical, muitas até parecem que foram feitas especialmente para serem musicadas.

O próprio Fagner, um amigo e admirador da obra de Ferreira Gullar, trabalhou, pelo menos, mais quatro poemas de seus poemas. São eles: "Contigo", "Cantiga Para Não Morrer (Me Leve)", "Menos a Mim" e "Rainha da Vida". Raimundo Fagner certamente não acredita na incapacidade do poeta em colocar letra em música pronta, certa vez, o cantor encaminhou um CD com várias músicas para que Ferreira Gullar colocasse a letra, e sobre este assunto Ferreira Gullar declarou:

"O caso do Fagner é diferente, ele me procurou, ele buscou meus poemas e nos tornamos amigos. Eu gosto muito dele, tenho uma grande amizade por esse cearense. De vez em quando ele me liga ou me escreve, até me pediu outro dia para que eu colocasse letras numas músicas que ele enviou num CD - por problemas técnicos a mídia não funcionou, ficando eu impossibilitado de ouvir as músicas."

Infelizmente não conseguimos saber os desdobramentos, o certo é que Ferreira Gullar ainda presenteou Fagner com várias traduções e versões de músicas estrangeiras, entre elas, a popular "Borbulha de Amor" (Borbujas de Amor) do dominicano Juan Luis Guerra.



Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém, fundo sem fundo

Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão

Uma parte de mim pesa e pondera
Outra parte delira

Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta

Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte linguagem

Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morte
Será arte? Será arte?...

Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte linguagem

Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morte
Será arte? Será arte?...


Fonte: Dr. Zem

sábado, 25 de abril de 2015

Tristeza do Jeca

Tristeza do Jeca
Angelino de Oliveira
1918

Muito antes de empresários inescrupulosos associarem o termo "Sertanejo" ao "Universitário", para denominar um dos mais vergonhosos embustes já surgidos na história da música brasileira, duplas como Pedro Bento & Zé da Estrada, Tião Carreiro & Pardinho, Milionário & José Rico, Tibagi & Miltinho lançavam mão da viola para cantar as agruras e alegrias do campônio brasileiro.

A música que faziam denotava a legítima riqueza cultural do interior do País, muitas vezes injustamente ignorada pela população urbana. Assim, composições como "Chico Mineiro", "Chalana", "Cabocla Tereza", "Saudade da Minha Terra", "Mula Preta", "Moda da Pinga", "Rio de Lágrimas", "Preto de Alma Branca", "Canarinho do Peito Amarelo" "O Menino da Porteira", tornaram-se clássicos absolutos da música sertaneja nacional.

Mas o clássico dos clássicos da música caipira pertence a Angelino Oliveira, que compôs "Tristeza do Jeca", sob a inspiração do famoso personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato no seu romance "Urupês".

"Tristeza do Jeca" é, assim, um dos mais fidedignos retratos do sertanejo brasileiro, ainda mais quando escutada na interpretação inconfundível daquela que foi a maior dupla sertaneja de todos os tempos: Tonico & Tinoco.

"Tristeza do Jeca", o verdadeiro Hino do Caipira, foi composta em 1918, editada 1922 e gravada pela primeira vez, só que na forma instrumental, em 1925. A primeira gravação cantada foi em 1926 na voz de Patrício Teixeira. Mas a primeira gravação que realmente tornou célebre "Tristezas do Jeca" ficou a cargo do cantor Paraguassu, Roque Ricciardi, em 1937 pela Gravadora Colúmbia.

"Tristeza do Jeca" também foi gravada por grandes duplas como Tonico & Tinoco, Inezita Barroso, Pena Branca & Xavantinho, Sérgio Reis, Passoca, Zico & Zeca, Irmãs Galvão e entre outros tantos. Esta composição atravessou fronteiras e serviu muitas vezes como fundo musical ao se falar sobre o Brasil no exterior.


Mazzaropi também empregou "Tristeza do Jeca" no filme homônimo em 1961, ocasião na qual chegou a ter uma pequena desavença com Angelino de Oliveira quanto aos direitos autorais, mas que foi rapidamente resolvida num encontro entre Mazzaropi e Angelino.

Também foi um espetáculo inesquecível a estréia da toada "Tristeza do Jeca", a qual se deu no Clube 24 de Maio em Botucatu, SP, em 1918. Marília Banducci e Aurélia Gouveia cantaram a belíssima melodia acompanhadas pelo próprio Angelino de Oliveira no violão. Após um curto silêncio que sucedeu o último acorde, iniciou-se um aplauso que, de início tímido, prolongou-se, seguido então de pedidos de bis e, segundo depoimentos, a música foi apresentada cinco vezes naquela noite. E, Ariowaldo Pires, o Capitão Furtado, que na época tinha 11 anos de idade, presenciou esse momento maravilhoso, pois seu pai era zelador do Clube 24 de Maio.

Curiosamente, "Tristeza do Jeca" não era a música preferida de Angelino de Oliveira. Ele mesmo se espantava com o sucesso de sua composição. Inclusive, às vezes, se esquecia de parte da letra quando as pessoas insistiam para que ele a tocasse, principalmente no Colosso, que era o bar preferido onde Angelino de Oliveira gostava de fazer seus encontros musicais com os diversos amigos, tendo sempre presente o José Maria Peres.

"Tristeza do Jeca" chegou a ser utilizada como prefixo pela BBC de Londres quando a mesma iniciava suas transmissões para o Brasil.

O sucesso de "Tristeza do Jeca" em interpretações consagradas como as de Tonico & Tinoco Inezita Barroso nos faz classificar Angelino de Oliveira como um compositor de música caipira, o que não é verdade, pois Angelino também compôs muitas serestas e canções.

Quanto à música caipira, na época, o progresso da mesma já intrigava Angelino de Oliveira que implicava com os rumos que ela vinha tomando, principalmente quando se tratava dos dramas sertanejos que já faziam sucesso. Dizia Angelino de Oliveira:

"Gozada a moda desses caipiras, só fala em desgraça. O pequenininho tá chorando, a mãe vem e derrama um caldeirão de água quente na criança, aí o marido chega em casa, mata tudo e depois se suicida... é desgraça multiplicada por dez! Ah, larga a mão, parece que a música pra ser boa tem que ter desgraça dobrada!?"

O Filme

"Tristeza do Jeca" é um filme brasileiro de 1961 produzido e dirigido por Amácio Mazzaropi, o 13º de sua carreira e seu primeiro a cores. As filmagens foram nos estúdios da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Números musicais com o próprio Mazzaropi e Agnaldo Rayol.

Sinopse: Jeca, a esposa Filó, e os filhos Maria e Toninho, são trabalhadores da fazenda do Coronel Felinto, que disputa a eleição para prefeito. Seu opositor, o idoso Coronel Policarpo, é apoiado pelo Coronel Bonifácio. Ambos os candidatos querem o apoio de Jeca que é tido como um dos líderes dos trabalhadores. Jeca não quer se envolver na disputa, mas quando Sérgio, filho de Bonifácio, pede em casamento sua filha Maria, ele acaba deixando se influenciar e todos pensam que ele apoia Policarpo. O Coronel Felinto não aceita e ameaça a todos de expulsão da fazenda e rapta o filho Toninho, tentando forçar Jeca e seus amigos a votarem nele.



Tristeza do Jeca

Nestes versos tão singelo
Minha bela, meu amor
Pra você quero contar
O meu sofrer e a minha dor
Eu sou que nem sabiá
Quando canta é só tristeza
Desde um galho onde ele está

Nesta viola eu canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma saudade

Eu nasci naquela serra
Num ranchinho beira-chão
Todo cheio de buraco
Onde a lua faz clarão
Quando chega a madrugada
Lá na mata a passarada
Principia um barulhão

Nesta viola eu canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma saudade

Vou parar com a minha viola
Já não posso mais cantar
Pois um jeca quando canta
Têm vontade de chorar
O choro que vai caindo
Devagar vai-se sumindo
Como as água vão pro mar


sexta-feira, 24 de abril de 2015

Domingo no Parque

Domingo no Parque
Gilberto Gil
1967

"Domingo no Parque" é uma canção de Gilberto Gil, lançada em 1967. Trata-se de uma música narrativa, que conta a história de dois rapazes amigos: um deles é José, o rei da brincadeira, e o outro João, o rei da confusão.

No fim de semana, ambos foram fazer o que sabiam: divertir-se e brigar, respectivamente.

Mas José não ia brigar, quando viu uma moça - Juliana - no parque de diversões e se apaixona, mas é tomado de raiva quando vê Juliana com João, sendo tomado pelo ciúme e cometendo um duplo homicídio passional, levando ao anticlímax final.

A música é riquíssima em figuras de linguagem, como as metonímias, anáforas e quiasmos. Nos arranjos, a composição causou violenta polêmica por unir elementos considerados contraditórios da cultura contemporânea, como o som do berimbau, o andamento melódico da letra, que lembra um baião, de um lado, e, de outro, a presença de orquestra de música erudita e o acompanhamento de um conjunto de rock, no caso Os Mutantes, o que revoltou muitos fãs tradicionalistas de música brasileira, por causa do uso de guitarra elétrica, considerado então um símbolo do "colonialismo cultural".


Gilberto Gil ganhou o segundo lugar com essa canção no III Festival de Música Popular da TV Record de 1967, acompanhado do grupo Os Mutantes, com moderno arranjo de Rogério Duprat, também premiado em primeiro lugar nesse quesito.

A música foi lançada no álbum "Gilberto Gil" (1968) e teve o mérito de, ao lado de "Alegria, Alegria", de Caetano Veloso, se tornar um divisor na música brasileira. Gilberto Gil buscava um som mais universal para a música que se fazia naquela época e usou elementos baianos, como o som do berimbau e a roda de capoeira. A história de José e João tem narrativa cinematográfica e o arranjo orquestral de Rogério Duprat pontua o confronto e descreve perfeitamente esse clima de delírio.



Domingo no Parque

O rei da brincadeira - ê, José!
O rei da confusão - ê, João!
Um trabalhava na feira - ê, José!
Outro na construção - ê, João!

A semana passada, no fim da semana
João resolveu não brigar
No domingo de tarde saiu apressado
E não foi pra Ribeira jogar
Capoeira
Não foi pra lá pra Ribeira
Foi namorar

O José como sempre no fim da semana
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio
Foi no parque que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu

Foi que ele viu
Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana, seu sonho, uma ilusão
Juliana e o amigo João
O espinho da rosa feriu Zé
E o sorvete gelou seu coração

O sorvete e a rosa - ô, José
A rosa e o sorvete - ô, José
Oi, dançando no peito - ô, José
Do José brincalhão - ô, José

O sorvete e a rosa - ô, José
A rosa e o sorvete - ô, José
Oi, girando na mente - ô, José
Do José brincalhão - ô, José

Juliana girando - oi, girando
Oi, na roda gigante - oi, girando
Oi, na roda gigante - oi, girando
O amigo João - João

O sorvete é morango - é vermelho
Oi, girando, e a rosa - é vermelha
Oi, girando, girando - é vermelha
Oi, girando, girando - olha a faca!

Olha o sangue na mão - ê, José
Juliana no chão - ê, José
Outro corpo caído - ê, José
Seu amigo, João - ê, José

Amanhã não tem feira - ê, José
Não tem mais construção - ê, João
Não tem mais brincadeira - ê, José
Não tem mais confusão - ê, João

Sonhos

Sonhos
Peninha
1977

A história da gravação da música "Sonhos", sucesso do cantor e compositor Peninha, começou nos estúdios da Polygram, atualmente Universal, na Rua Érico Veríssimo no Rio de Janeiro.

O produtor Pedrinho da Luz já estava com o disco do artista pronto, com arranjos do maestro Miguel Cidras. Subitamente Pedrinho da Luz entrou no Estúdio B, aonde estava gravando Zizi Possi, e chamou o maestro Hugo Bellard, um arranjador de vários sucessos.

Pedrinho da Luz pediu ao Hugo Bellard que com urgência fizesse o arranjo, em duas horas, da música "Sonhos", para aproveitar o restante do horário de estúdio que tinha reservado para o Peninha.

Como Hugo Bellard dissesse que não poderia sair dali porque estava no meio da gravação da Zizi PossiPedrinho da Luz pediu à produção que liberasse o Hugo Bellard.

O maestro ouviu a música, tirou os acordes, e se baseou na música "This Masquerade" que fazia sucesso nos Estados Unidos com George Benson, para o arranjo. Na segunda parte deu uma pitada de Beatles, como os cellos no estilo da música "Eleanor Rigby".

Foi o único arranjo de Hugo Bellard no disco, mas foi a música que fez sucesso, vendendo mais de 600.000 discos em semanas, um grande feito para a época. A musica até hoje vendeu mais de 1 milhão de cópias.

"Sonhos" serviu para lançar a carreira deste talentoso compositor Peninha, que hoje tem dezenas de grandes sucessos gravados pelos mais variados intérpretes.

Caetano Veloso gostou da música e do arranjo, e regravou a música em 2001. E "Sonhos" foi novamente ao primeiro lugar nas paradas.



Sonhos

Tudo era apenas uma brincadeira
E foi crescendo, crescendo, me absorvendo
E de repente, eu me vi assim, completamente seu

Vi a minha força amarrada no seu passo
Vi que sem você não tem caminho, eu não me acho
Vi um grande amor gritar dentro de mim
Como eu sonhei um dia

Quando o meu mundo era mais mundo
E todo mundo admitia
Uma mudança muito estranha
Mais pureza, mais carinho
Mais calma, mais alegria no meu jeito de me dar

Quando a canção se fez mais forte e mais sentida
Quando a poesia fez folia em minha vida
Você veio me contar dessa paixão inesperada por outra pessoa

Mas não tem revolta, não
Eu só quero que você se encontre
Ter saudade até que é bom
É melhor que caminhar vazio
A esperança é um dom que eu tenho em mim
Eu tenho, sim

Não tem desespero, não
Você me ensinou milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Nunca

Nunca
Lupicínio Rodrigues
1952

"Nunca" é um dos clássicos de Lupicínio Rodrigues, juntamente com "Vingança", inspirados em Mercedes, também conhecida por Dona Carioca.

"Toda vez que uma mulher me trai, eu ganho dinheiro", costumava dizer Lupicínio Rodrigues, afirmando que só escrevia sobre experiências vividas por ele ou por seus amigos. "As mulheres boazinhas nunca me deram dinheiro, só as que me traíram!".

"O Som do Pasquim" (Ed. Desiderata, 2009) é um livro organizado por Tárik de Souza, reunindo algumas antológicas entrevistas que o pessoal do Pasquim, Ziraldo, Jaguar e Henfil, fez com cantores e compositores nos anos 70. Segundo Jaguar, "quando o jornaleco e a MPB estavam no auge, nem a Censura conseguia segurar!".

Uma das entrevistas antológicas foi com Lupicínio Rodrigues, um dos cinco maiores compositores gaúchos de todos os tempos, que contou a história de uma série de suas canções. Lupicínio Rodrigues, pra quem não sabe, foi quem criou a expressão "dor de cotovelo", sendo ainda responsável por classificá-las em dor de cotovelo federal (que só poderia ser curada com embriaguez total),  estadual (suportável, que se ajeitava com o passar do tempo) e  municipal (incapaz até mesmo de inspirar um samba).

Duas das  músicas inspiradas numa "Dor-de-cotovelo Federal"  são "Nunca" e "Vingança" , ambas inspiradas numa mesma mulher. Lupicínio Rodrigues contou ao pasquim a história:

Lupicínio: A mulher que me inspirou "Vingança" viveu comigo seis anos. E depois terminou namorando um garoto que era meu empregado, que tinha 16, 17 anos.
Pasquim: Foi passado pra trás por um garoto de 17 anos?
Lupicínio: Não foi bem assim. É que eu tinha viajado, ela mandou chamar o garoto. Disse que queria falar com ele. Ela mandou um bilhete. O garoto com medo de mim, quando eu cheguei, me entregou o bilhete. Disse: "Olha, a Dona Carioca me mandou esse bilhete. Eu não sabia o que ela queria comigo. Não fui!". Entregou a mulher. Aí eu não disse nada, fiquei quietinho, inventei outra viagem, peguei a mala e fui embora.
Pasquim: Endoidou?
Lupicínio: Era época de carnaval, ela endoidou. Botou um "Dominó". Dominó é aquela fantasia preta que cobre tudo. No carnaval, feito louca, foi me procurar. Uma certa madrugada, ela, num fogo danado - parece que deu fome, entrou num bar onde a gente costumava comer. Foi obrigada a tirar o "Dominó" pra comer, e o pessoal a reconheceu. Perguntaram: "Ué, Carioca, que você está fazendo aqui a essa hora? Cadê o Lupi?".
Pasquim: Carioca por quê? Ela é carioca?
Lupicínio: É sim. Ela é viva, mora aqui. Aí ela começou a chorar. Eu estava num restaurante do outro lado. Uns amigos chegaram e me disseram: "Ô, encontramos a Carioca vestida de 'Dominó', num fogo tremendo. Começou a chorar e perguntar por ti. O que houve, vocês estão brigados?". Aí foi que eu fiz "Vingança". Na mesma hora, comecei, saiu (cantando): "Gostei tanto, tanto, quando me contaram..."
Pasquim: Foi uma ruptura pra valer?
Lupicínio: Eu sou muito amigo dos pais de santo, os batuqueiros lá de Porto Alegre. em cada lugar que chegava ela botava fotografia minha, cabritas, aquele negócio todo para fazer as pazes. Aí eu fiz (canta) "Nunca, nem que o mundo caia sobre mim / Nem se deus mandar nem mesmo assim."
Pasquim: O que essa mulher contribuiu para a Música Popular Brasileira não foi normal.

Quem ouve "Nunca" e "Vingança" percebe o quanto são canções amargas, de mágoa e desamor.

"Nunca" relata aquele que sofreu por amor e se recusa a perdoar, pois a perda da ilusão faz sepultar o coração... mas ao final recorre à saudade, como mensageira de um amor que o eu-lírico insiste em dizer que é passado (como foi sincero o meu amor / como eu a adorei, tempos atrás) mas que se confessa presente no final.

Para conhecer mais sobre a vida e obra de Lupicínio Rodrigues, visite o blog Famosos Que Partiram.



Nunca

Nunca!
Nem que o mundo caia sobre mim,
Nem se Deus mandar,
Nem mesmo assim,
As pazes contigo eu farei.

Nunca!
Quando a gente perde a ilusão,
Deve sepultar o coração,
Como eu sepultei.

Saudade,
Diga a esse moço, por favor,
Como foi sincero o meu amor,
Quanto eu te adorei
Tempos atrás.

Saudade,
Não se esqueça também de dizer
Que é você quem me faz adormecer
Pra que eu viva em paz.