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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Chão de Giz

Chão de Giz
Zé Ramalho
1973

"Essa música foi feita para o amor que senti por uma mulher casada. Eu era garotão, ela era uma mulher de um industrial e muito rica. Ela me dava uns flertes, e isso me inspirou essa música. Eu tinha mais ou menos vinte anos. Inocente, burro e besta como dizia Raul Seixas."

"Chão de Giz" é uma famosa canção do cantor brasileiro Zé Ramalho, composta em 1973 e gravada em 1978 em seu álbum de estreia solo "Zé Ramalho".

Segundo dados divulgados pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que abrangeu o período de 2010 a 2014, essa foi a música mais tocada do artista neste período, e a 4ª entre as obras mais regravadas. Além disso, ela aparece na 10ª posição entre as "músicas mais tocadas ao vivo" no ano de 2014, segundo dados do mesmo órgão.

E você já parou alguma vez na vida para tentar entender esta música tão complexa? Zé Ramalho consegue ser um dos poucos cantores que compõe músicas com alto repertório (de difícil entendimento) e mesmo assim agrada o gosto popular. Consegue transmitir sentimentos.

A explicação dada, em tese, pelo próprio compositor Zé Ramalho sobre "Chão de Giz" é que, ainda jovem, ele teve um caso duradouro com uma mulher bem mais velha, casada com uma pessoa bem influente da sociedade de João Pessoa, na Paraíba, onde morava. Ambos se conheceram no carnaval. Zé Ramalho ficou perdidamente apaixonado por esta mulher, que jamais abandonaria um casamento para ficar com um "garoto pé-rapado". Ela apenas "usava-o". Assim, o caso que tomava proporções enormes foi terminado. Zé Ramalho ficou arrasado por meses, mudou de casa, pois morava perto da mulher e, nesse meio tempo, compôs "Chão de Giz".


Sabendo deste pequeno resumo da história, fica mais fácil interpretar cada verso da canção:

"Eu desço desta solidão e espalho coisas sobre um chão de giz"
Um dos hábitos de Zé Ramalho, no sofrimento, era espalhar pelo chão todas as coisas que lembravam o caso dos dois. O chão de giz indica como o relacionamento era fugaz.

"Há meros devaneios tolos, a me torturar"
Devaneios e lembranças da mulher que não o amou. O tinha como amante, apenas para realizar suas fantasias. Quando e como queria.
"Fotografias recortadas de jornais de folhas amiúdes"
Outro hábito de Zé Ramalho era recortar e admirar todas as fotos dela que saiam nos jornais - lembrem-se, ela era da alta sociedade, sempre estava nas colunas sociais.
"Eu vou te jogar num pano de guardar confetes"
Pano de guardar confetes são balaios ou sacos típicos das costureiras do Nordeste, nos quais elas jogam restos de pano, papel, etc. Aqui, Zé Ramalho diz que vai jogar as fotos dela nesse tipo de saco e, assim, esquecê-la de vez.
"Disparo balas de canhão, é inútil, pois existe um grão-vizir"
Ele tenta ficar com ela de todas as formas, mas é inútil, pois ela é casada com um homem muito rico.
"Há tantas violetas velhas sem um colibri"
Aqui ele utiliza de uma metáfora. Há tantas violetas velhas (como ela, bela, mas velha) sem um colibri (um jovem que a admire). Dessa forma ele tenta novamente convencê-la apelando para a sorte - mesmo sendo velha (violeta velha), ela pode, se quiser, ter um colibri (jovem).
"Queria usar, quem sabe, uma camisa de força ou de vênus"
Este verso mostra a dualidade do sentimento de Zé Ramalho. Ao mesmo tempo que quer usar uma camisa de força para se afastar dela, ele também quer usar uma camisa de vênus para fazer amor com ela.
"Mas não vou gozar de nós apenas um cigarro"
Novamente ele invoca a fugacidade do amor dela por ele, que o queria apenas para "gozar o tempo de um cigarro". Percebe-se o tempo todo que ele sente por ela um profundo amor e tesão, enquanto é correspondido apenas com o tesão, com o gozo que dura o tempo de se fumar um cigarro.
"Nem vou lhe beijar, gastando assim o meu batom"
Para quê beijá-la, se ela quer apenas o sexo?
"Agora pego um caminhão, na lona vou a nocaute outra vez…"
Novamente ele resolve ir embora, após constatar que é impossível tentar algo sério com ela. Entretanto, apaixonado como está, vai novamente à lona - expressão que significa ir a nocaute no boxe, mas também significa a lona do caminhão, com o qual ele foi embora - ele teve que sair de casa para se livrar desse amor doentio.
"Pra sempre fui acorrentado no seu calcanhar"
Amor inesquecível, que acorrenta. Ela pisava nele e ele cada vez mais apaixonado. Tinha esperanças de um dia ser correspondido.
"Meus vinte anos de boy that’s over, baby! Freud explica"
Ele era bem mais novo que ela. Ele era um boy, ela era uma dama da sociedade. Freud explica um amor desse (Complexo de Édipo, talvez?).
"Não vou me sujar fumando apenas um cigarro"
Depois de muito sofrimento e consciente que ela nunca largaria o marido/status para ficar com ele, ele decide esquecê-la. Essa parte ele diz que não vai se sujar transando mais uma vez com ela, pois agora tem consciência de que nunca passará disso.
"Quanto ao pano dos confetes, já passou meu carnaval"
Eles se conheceram em um carnaval. Voltando a falar das fotos dela, que iria jogar em um pano de guardar confetes, ele consolida o fim, dizendo que já passou seu carnaval (fantasia), passou o momento.
"E isso explica porque o sexo é assunto popular"
Aqui ele faz um arremate do que parece ter sido apenas o que restou do amor dele por ela (ou dela por ele): Sexo. Por isso o sexo é tão popular, pois apenas ele é valorizado. Ela só queria sexo e nada mais.
"No mais, estou indo embora"
Assim encerra-se a canção. É a despedida de Zé Ramalho, mostrando que a fuga é o melhor caminho e uma decisão madura. Ele muda de cidade e nunca mais a vê. Sofreu por meses, enquanto compôs a música.


Chão de Giz

Eu desço dessa solidão
espalho coisas sobre um chão de giz.
Há meros devaneios tolos
a me torturar.
Fotografias recortadas em jornais de folhas
Amiúde!
Eu vou te jogar
num pano de guardar confetes.
Eu vou te jogar
num pano de guardar confetes.

Disparo balas de canhão
é inútil, pois existe um grão-vizir.
Há tantas violetas velhas
sem um colibri.
Queria usar, quem sabe
uma camisa de força ou de vênus.
Mas não vou gozar de nós
apenas um cigarro.
Nem vou lhe beijar
gastando assim o meu batom.

Agora pego um caminhão na lona
vou a nocaute outra vez.
Pra sempre fui acorrentado
no seu calcanhar.
Meus vinte anos de boy
that's over, baby!
Freud explica.

Não vou me sujar
fumando apenas um cigarro.
Nem vou lhe beijar
gastando assim o meu batom.
Quanto ao pano dos confetes
já passou meu carnaval.
E isso explica porque o sexo
é assunto popular.

No mais estou indo embora!
No mais estou indo embora!
No mais estou indo embora!
No mais!

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Ouro de Tolo

Ouro de Tolo
Raul Seixas
1973

"Ouro de Tolo" é uma canção de Raul Seixas presente no álbum "Krig-ha, Bandolo!" de 1973. Em 2009, foi escolhida pela revista Rolling Stone a 16ª melhor na lista das 100 maiores músicas brasileiras.

O nome faz uma alusão a sua utilização durante a Idade Média quando falsos alquimistas prometiam realmente transformar chumbo em ouro, quando a linguagem da alquimia era, na verdade, metafórica ou simbólica, referindo-se à transformação espiritual do homem de um estado pesado, o chumbo, para outro de elevação, o ouro. Assim, transpondo para os próprios ideais e aspirações de Raul Seixas na época, percebe-se que ele indica que o verdadeiro ouro estava no despertar da consciência individual, visando à construção da Sociedade Alternativa, e não no discurso ufanista e triunfalista da Ditadura Militar da época. Logo, o disco voador ao final da letra seria uma referência a essa nova sociedade a ser construída.

Lançamento

Em 7 de junho de 1973, de acordo com uma estratégia de marketing proposta por Paulo CoelhoRaul Seixas convocou a imprensa para registrar sua aparição na Avenida Rio Branco, onde cantou a música "Ouro de Tolo". A cena foi exibida no horário nobre da TV, no Jornal Nacional.

A canção era um ataque no conformismo do país a respeito das ilusórias vantagens oferecidas pela Ditadura. Tornou-se sucesso instantâneo e foi gravado pela Philips com mais nove canções em "Krig-ha, Bandolo!", o primeiro LP solo de Raul Seixas, ainda em 1973.



Ouro de Tolo

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou o dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 73

Eu devia estar alegre e satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa

Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente
Por ter conseguido tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto: E daí?
Eu tenho uma porção de coisas grandes
Pra conquistar, e eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família no Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos

Ah! Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco praia, carro, jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir um grandessíssimo idiota
Saber que é humano, ridículo, limitado
Que só usa dez por cento de sua
Cabeça animal
E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial
Que está contribuindo com sua parte
Para nosso belo quadro social

Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador

Ah eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais
No cume calmo do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora de um disco voador

segunda-feira, 18 de março de 2013

Cálice

Cálice
Gilberto Gil e Chico Buarque
1973

"Cálice" é uma canção escrita e originalmente interpretada pelos cantores brasileiros Chico Buarque e Gilberto Gil em 1973. Na canção percebe-se um elaborado jogo de palavras para despistar a censura da ditadura militar. A palavra-título, por exemplo, é cantado pelo coral que acompanha o cantor de forma a soar como um raivoso "Cale-se!". A canção teve sua execução proibida durante anos no Brasil. Só foi lançada em disco em novembro de 1978 no álbum "Chico Buarque", tendo Milton Nascimento nos versos de Gilberto Gil, e também em dezembro no álbum "Álibi" de Maria Bethânia. A cantora Pitty regravou essa canção em 2010, numa versão rock 'n roll.


História

"Cálice" foi composta para o show Phono 73, que a gravadora Phonogram (Ex Philips, e depois Polygram) organizou no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo, em maio de 1973. O evento reuniria em duplas os maiores nomes de seu elenco, onde deveria ter sido cantada por Gilberto Gil e Chico Buarque.

Gilberto Gil havia composto o refrão "Pai, afasta de mim este cálice / de vinho tinto de sangue", uma óbvia alusão à agonia de Jesus Cristo no Calvário, tendo a ambiguidade (cálice / cale-se) sido imediatamente percebida por Chico Buarque. Gilberto Gil havia composto ainda a primeira estrofe da canção. A partir de dois encontros com Chico Buarque, compôs a melodia e as demais estrofes, quatro no total, sendo a primeira e a terceira de Gilberto Gil e a segunda e a quarta de Chico.

No dia do show, quando os dois começaram a cantar "Cálice" tiveram os microfones desligados. De acordo com Gilberto Gil, a canção havia sido apresentada à censura e eles foram recomendados a não cantá-la. Os dois haviam decidido, então, cantar apenas a melodia da canção, pontuando-a com a palavra "cálice", mas isto também não foi possível.

Segundo o relato do Jornal da Tarde, a Phonogram resolveu cortar o som dos microfones, para evitar que a música, mesmo sem a letra, fosse apresentada. Irritado, Chico Buarque tentou os microfones mais próximos, que também foram cortados em seguida.

A canção foi eventualmente liberada cinco anos depois, tendo sido lançada em novembro de 1978 no álbum "Chico Buarque" ao lado de "Apesar de Você", "O Meu Amor", "Tanto Mar" e outras canções censuradas pelo regime militar. À época, Chico Buarque declarou que aquele não era o tipo de canção que estava compondo pois estava trabalhando no repertório de "Ópera do Malandro", mas que elas deveriam ser registradas, pois a liberação tardia não pagava o prejuízo da proibição. Na gravação, as estrofes de Gilberto Gil, que estava trocando a PolyGram pela WEA, foram interpretadas por Milton Nascimento, fazendo coro com o MPB4, em dramático arranjo de Magro.

Em dezembro do mesmo ano, foi a vez da cantora Maria Bethânia gravar a canção também no seu álbum "Álibi"Maria Bethânia interpretou a canção com a força dramática que já era conhecida como sua marca. A teatralidade da cantora adicionou mais significado em cada palavra interpretada por ela. Um clipe com a performance da cantora foi exibido na época pelo programa "Fantástico" da Rede Globo.



Cálice

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor e engolir a labuta?
Mesmo calada a boca resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda (Cálice!)
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!)
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno (Cale-se!)
Nem seja a vida um fato consumado (Cale-se!)
Quero inventar o meu próprio pecado (Cale-se!)
Quero morrer do meu próprio veneno (Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)
Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel (Cale-se!)
Me embriagar até que alguém me esqueça (Cale-se!)


Fonte: Wikipédia

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Canteiros

Canteiros
Cecília Meireles
Música e Versão: Fagner
1973

A belíssima música "Canteiros" de "autoria" do cantor cearense Raimundo Fagner é uma das música mais polêmicas da história musical brasileira. Toda essa polêmica não tem a ver com a canção em si, mas com a autoria da mesma.

A canção foi lançada em 1973, no álbum de estreia do cantor, e, na ocasião, não fez lá muito sucesso. Posteriormente, quando o cantor já havia estourado lá na região sudeste, a música se tornou um grande sucesso. Na ocasião, foi aberto um processo criminal contra o cantor, pelas filhas da grande poetisa brasileira Cecília Meireles, por supostamente ter plagiado o poema "Marcha", de autoria da mesma.

Em 1979, durante uma audiência, ao ser interrogado no dia pelo Juiz Jaime Boente, na 16ª Vara Criminal, Fagner afirmou que ''sem tirar a beleza dos versos, procurou fazer uma adaptação à música'', reconhecendo o uso indevido do poema "Marcha", de Cecília Meireles, na composição "Canteiros". O próprio cantor, antes mesmo de ser acusado de plágio já tinha dividido a parceria da letra com Cecília Meireles e inclusive divulgando-a em release de show, em 1977.

Contudo, apesar deste fato, o processo continuou a se desenrolar, e em 1983, um jornal de circulação nacional destacou em letras garrafais:

''Caso Fagner: filhas de Cecília Meireles ganham na Justiça''

O título da matéria se referia ao fato de as herdeiras terem conseguido condenar as gravadoras Polygram, Polystar, Polifar, as Edições Saturno e o cantor Raimundo Fagner a pagar uma multa de Cr$ 101.000,00 por violação de direitos autorais.

A confusão envolvendo o cantor  e as herdeiras de Cecília Meireles somente chegou ao fim em 1999, quando a gravadora Sony Music fez um acordo com elas para a regravação da música, o que aconteceu em janeiro de 2000, em Fortaleza, no primeiro registro ao vivo das músicas do compositor cearense.


Para o Juiz Jaime Boente, Fagner violou a lei de número 5.988/73 que regula os direitos autorais e com a agravante de plágio, nos artigos 184 e 185 do Código Penal. Eis, a título de curiosidade e comparação com a letra cantada por Fagner, o poema ''Marcha'', original de Cecília Meireles:

''Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudade
Tenho visto muita coisa, menos a felicidade
Soltam-se meus dedos tristes
dos sonhos claros que invento
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento"
Fagner mudou algumas coisas e o trecho da música ficou assim:
''Quando penso em você, fecho os olhos de saudade
Tenho visto muita coisa, menos a felicidade
Correm dos meus dedos longos
os versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
já me dá contentamento"



Canteiros

Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me dá contentamento

Pode ser até manhã
Sendo claro, feito o dia
Mas nada do que me dizem
me faz sentir alegria

Eu só queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza ...
E deixemos de coisa, cuidemos da vida
Pois se não chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
São as águas de março fechando o verão
É promessa de vida em nosso coração


Marcha

As ordens da madrugada
romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebram as formas do sono
com a idéia do movimento.


Vamos a passo e de longe;
entre nós dois anda o mundo,
com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras
de países sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas,
mais minha dúvida aumento.


Também não pretendo nada
senão ir andando à toa,
como um número que se arma
e em seguida se esboroa,
- e cair no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.


Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga
como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga, é tudo
que tenho, entre o sol e o vento:
meu vestido, minha música,
meu sonho e meu alimento.


Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudade;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos ristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentameno.


Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento…
Não há lágrima nem grito:
apenas consentimento.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Rosa de Hiroshima

Rosa de Hiroshima
Letra de Vinícius de Moraes
Música de Gerson Conrad
Ano da Letra: 1954
Ano da Música: 1973

"Rosa de Hiroshima" é um poema de Vinícius de Moraes, musicado por Gerson Conrad na canção "Rosa de Hiroshima" da banda Secos & Molhados. Fala sobre a explosão atômica de Hiroshima. O poema alude aos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki ocorridos na Segunda Guerra Mundial.

"Rosa de Hiroshima" foi lançada no ano de 1973, no disco de estreia do grupo. Foi a única canção creditada a Gerson Conrad no álbum. A canção é um grito pacifista e anti-nuclear, lançada em plena ditadura no Brasil. Foi apresentada ao vivo no espetáculo histórico do grupo no Maracanãzinho em meados de 1974.

A música foi a décima terceira mais executada nas rádios brasileiras no ano de 1973. Em 2009, a revista Rolling Stone brasileira listou "Rosa de Hiroshima" como a número 69 entre "As 100 Maiores Músicas Brasileiras".

Outras Versões

A canção foi lançada em uma versão ao vivo em "Secos & Molhados - Ao Vivo no Maracanãzinho", em 1974. Ney Matogrosso regravou, e apresentou ao vivo esta canção em carreira solo. Arnaldo Antunes regravou esta canção para o disco "Assim Assado - Tributo ao Secos & Molhados" que comemorava os 30 anos do Secos & Molhados, lançado em 2003.

Análise do Poema

Na primeira parte do poema, os versos são formados por cinco sílabas, tendo começos e fins definidos por consoantes que os separam. Além disso, a primeira sílaba é sempre tônica para marcar o começo de um novo verso. Perceba:

Pen sem nas cri an/ ças
Mu das te le pá/ ticas

Isso dá um ritmo mais cadenciado à leitura dos versos, como que criando fotos e dando tempo para que o leitor realmente "se lembre" das imagens que o poeta quer passar e reflita. Cada par de versos, uma foto.

Então chegamos aos versos que ficam ao meio do poema:

Mas, oh, não se esqueçam / Da rosa da rosa

Até aí, as imagens eram sobre as consequências da bomba atômica e sua radioatividade. Agora, ele pede que nos lembremos da bomba, em si, simbolizada pela rosa em alusão à flor de dejetos e fumaça que a bomba criou. E, a partir daí, o poema muda.

Os versos passam a ter seis sílabas e todos fazem parte de uma única imagem - a da bomba  portanto, devem ser interligados. Como fazer isso? Produzindo uma sinérese entre vocábulos e versos (ligando duas vogais, a do fim da última palavra de um verso com a do início do próximo verso, num fonema só). Por isso desde o início da nova foto, "Da rosa de Hiroshima", todos os versos são terminados em vogal e iniciados com outra. Veja:

Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida

O poema termina com uma última parte, com dois versos, novamente em redondilha menor (cinco sílabas) e iniciados em consoantes:

Sem cor sem perfume / Sem rosa, sem nada

Mostram novamente, as consequências da bomba, deixando o local desabitado, sem vida.


Publicações

  • Antologia Poética
  • Poesia Completa e Prosa: "Nossa Senhora de Los Angeles"
  • Poesia Completa e Prosa: "Cancioneiro"


Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada