quarta-feira, 27 de maio de 2015

Nuvem Passageira

Nuvem Passageira
Hermes Aquino
1976

Sucesso da novela "O Casarão" (1976), que tinha no elenco grandes nomes da dramaturgia brasileira, como Paulo Gracindo, Yara Côrtes e Mário Lago. A canção logo caiu no gosto do público pela beleza da música e letra coberta de figuras de linguagens românticas.

Do disco "Desencontro de Primavera" (1977) e com melodia para lá de intencional, cheia de elementos sonoros que ratificam a mensagem leve da letra, "Nuvem Passageira" é um belíssimo poema tematizando o efêmero da vida, defendendo a tese de que devemos viver intensamente cada oportunidade da nossa existência terrena.

Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.

Tudo na vida é transitório, nada do que somos ou fazemos é permanente, eterno. O próprio passar do tempo se encarrega de transformar. As nuvens são assim, elas passeiam pelo céu e nunca estão paradas e mudam de forma a cada momento que as vemos. O vento dá movimento e, quando você menos percebe, elas já desapareceram de sua vista. Assim somos nós. Por analogia podemos dizer que o tempo é o vento que provoca as alterações de nossas vidas. A relação pode ser feita também com um cristal em que se dedica cuidados especiais, como se fosse uma preciosidade que não se deprecia. Todo mundo sabe que um cristal quando se quebra não tem remendo. Jamais será o mesmo que foi antes da queda que o fez se quebrar.

Não adianta escrever meu nome numa pedra,
pois esta pedra em pó vai se transformar.

Nesses versos o autor realça a certeza de que nada é para sempre. Por mais que se imagine a solidez de algo, tornando-o permanente, comparando-o com a pedra, por exemplo, a realidade tem demonstrado que no decorrer do tempo o que era pedra pode virar pó. O nome escrito na pedra desaparecerá e ficará apenas a lembrança do que fez, na intenção de deixar um registro que nunca se apagaria.

Você não vê que a vida corre contra o tempo,
sou um castelo de areia na beira do mar.

O autor começa a valorizar a consciência de que a vida deve ser vivida intensamente a cada instante, porque ela passa rapidamente ao correr do tempo. Novamente usa a imagem de um castelo de areia construído à beira mar para denotar a fragilidade do nosso existir. Basta vir uma onda do mar para fazer ruir o castelo de areia. Então, que esse castelo seja útil enquanto estiver de pé, sem o risco de ser alcançado pelas águas da praia.


A lua cheia convida para um longo beijo,
mas o relógio te cobra o dia de amanhã.

Muitas vezes somos seduzidos por desejos circunstanciais e nos entregamos a eles como se fossem infinitos. Esquecemos que o amanhã já nos cobrará outras atitudes, outras posturas, outras formas de viver a vida. Daí a necessidade de aproveitar ao máximo cada momento da vida.

Estou sozinho, perdido e louco no meu leito,
e a namorada analisada por sobre o divã.

A ideia do sujeito sozinho e cheio de impulsos no leito, enquanto a namorada está analisada no divã, pontua a quebra radical diante das cobranças do tempo. Dizendo o que é, desenhando uma imagem para si, o sujeito investe naquilo que mina, que não tem forma fixa, a fim de convidar o ouvinte à vida: "Você não vê que a vida corre contra o tempo", diz.

Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva,
não quero nem saber de me fazer, ou me matar.

Fugir das preocupações. "Dançar na chuva", quer dizer fazer o que lhe der prazer, atirar-se na vida. Não se angustiar com a possibilidade da morte ou com as dificuldades que possa enfrentar no dia a dia.

Eu vou deixar um dia a vida e a minha energia,
sou um castelo de areia na beira do mar.

A decisão é fazer valer toda a sua capacidade de viver enquanto puder, para que não se arrependa quando "o castelo de areia" estiver sendo desmanchado pelas águas do mar. 

O sujeito se eterniza na vivência plena de cada ato, na experimentação cotidiana: aproveitar a lua cheia, por exemplo. Qualquer possível certeza de solidez é apresentada pela fragilidade que ela possui. É o caso da pedra que "em pó vai se transformar".

"A curta expectativa de vida é o trunfo dos impulsos, dando-lhes uma vantagem sobre os desejos", escreveu Zygmunt Bauman no livro "Amor Líquido". O sujeito de "Nuvem Passageira" quer guardar o mundo pelo transitório, na fragilidade dos laços, naquilo cujas consequências não ultrapassam a superfície da pele.


Nuvem Passageira

Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.

Não adianta escrever meu nome numa pedra,
pois esta pedra em pó vai se transformar.
Você não vê que a vida corre contra o tempo,
sou um castelo de areia na beira do mar.


Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.

A lua cheia convida para um longo beijo,
mas o relógio te cobra o dia de amanhã.
Estou sozinho, perdido e louco no meu leito,
e a namorada analisada por sobre o divã.


Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.

Por isso agora o que eu quero é dançar na chuva,
não quero nem saber de me fazer, vou me matar.
Eu vou deixar um dia a vida e a minha energia,
sou um castelo de areia na beira do mar.


Eu sou nuvem passageira,
que com o vento se vai.
Eu sou como um cristal bonito,
que se quebra quando cai.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Das Duzentas Pra Lá

Das Duzentas Pra Lá
João Nogueira
1972

No início da década de 70, o governo de Emílio Garrastazu Médici assinou um decreto estendendo para 200 milhas o limite do mar territorial brasileiro. Comemorando a medida, em 1972 João Nogueira faria letra e música de "Das Duzentas Pra Lá", que festejava:

Esse mar é meu
leva seu barco pra lá desse mar
tem rede verde-e-amarela
no azul desse mar

Em seu livro, Paulo Cesar de Araújo classifica a música como uma canção adesista:

"Algumas pessoas podem não enxergar assim, só porque foi o João Nogueira, um cara do samba, da raiz, da Música Popular Brasileira, quem gravou a música. Mas me pareceu uma patriotada dele. Se por exemplo os seus autores fossem Dom & Ravel, "Das Duzentas Pra Lá" seria adjetivada de ufanista e eles seriam crucificados."

O aumento da faixa de mar territorial foi bem-recebido por praticamente todos os setores da sociedade brasileira, o que, segundo Paulo Cesar de Araújo, reflete o clima ufanista daqueles tempos. João Nogueira, que morreu em 2000, foi figura atuante no processo de redemocratização do país, participando a partir da década de 80 de campanhas de partidos progressistas, como o Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Leonel Brizola.

Se a música sertaneja de José Mendes apoiava o decreto presidencial de "peitar" os Estados Unidos "na marra", o samba de João Nogueira também dava o seu aval.

A música "Das Duzentas Pra Lá" foi gravada por Eliana Pittman e chegou aos primeiros lugares das paradas de sucesso.

Nas palavras do próprio  João Nogueira:

Mesmo depois que comecei a gravar, eu compunha e dava a músicas para cantores. O cantor me pedia música e eu dava música pra ele.
Aí nessa mesma ocasião eu dei uma música para a Eliana Pittman que fez um grande sucesso. Fez até sucesso internacional. Era uma música que falava da plataforma continental, das duzentas milhas marítimas que o Governo brasileiro tinha implantado.
Até chegaram a me confundir com a turma que fazia música para a Revolução. Mas não era nada disso não porque depois que essa música fez um grande sucesso... isso aí saiu na revista Time... meu samba saiu na revista Time e eu trabalhando na Caixa Econômica. Dizia o seguinte:
Quando o embaixador americano veio ao Brasil para tentar diminuir a extensão da plataforma marítima, o embaixador brasileiro disse o seguinte: Agora já não há mais tempo porque todo o povo brasileiro já canta um samba que diz: "Vá jogar a sua rede das duzentas para lá. Pescador dos olhos verdes vá pescar noutro lugar!"
(João Nogueira - TV Cultura, Programa Ensaio)


Das Duzentas Pra Lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Vá jogar a sua rede das duzentas para lá
Pescador dos olhos verdes
Vá pescar em outro lugar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

E o barquinho vai
Com nome de caboclinha
Vai puxando a sua rede
Da vontade de cantar
Tem rede amarela e verde
No verde azul desse mar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Obrigado seu Doutor pelo acontecimento
Vai ter peixe, camarão
Lagosta que só Deus dá
Pegou bem a sua idéia
Peixe é bom pro pensamento
E a partir desse momento
Meu povo vai pensar

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá

Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá desse mar
Esse mar é meu
Leva seu barco pra lá