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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Traduzir-se

Traduzir-se
Poema de Ferreira Gullar
Música de Fagner
1981

"Traduzir-se" é um poema de Ferreira Gullar publicado em 1980, no livro "Na Vertigem do Dia". O poema foi musicado por Raimundo Fagner em 1981.

Embora tenha colocado, com rara beleza, a letra no clássico "Trenzinho do Caipira", de Villa LobosFerreira Gullar declarou não ter muita habilidade para colocar letra em música já pronta, o inverso, no entanto, é verdadeiro: a poesia de Ferreira Gullar é extremamente musical, muitas até parecem que foram feitas especialmente para serem musicadas.

O próprio Fagner, um amigo e admirador da obra de Ferreira Gullar, trabalhou, pelo menos, mais quatro poemas de seus poemas. São eles: "Contigo", "Cantiga Para Não Morrer (Me Leve)", "Menos a Mim" e "Rainha da Vida". Raimundo Fagner certamente não acredita na incapacidade do poeta em colocar letra em música pronta, certa vez, o cantor encaminhou um CD com várias músicas para que Ferreira Gullar colocasse a letra, e sobre este assunto Ferreira Gullar declarou:

"O caso do Fagner é diferente, ele me procurou, ele buscou meus poemas e nos tornamos amigos. Eu gosto muito dele, tenho uma grande amizade por esse cearense. De vez em quando ele me liga ou me escreve, até me pediu outro dia para que eu colocasse letras numas músicas que ele enviou num CD - por problemas técnicos a mídia não funcionou, ficando eu impossibilitado de ouvir as músicas."

Infelizmente não conseguimos saber os desdobramentos, o certo é que Ferreira Gullar ainda presenteou Fagner com várias traduções e versões de músicas estrangeiras, entre elas, a popular "Borbulha de Amor" (Borbujas de Amor) do dominicano Juan Luis Guerra.



Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém, fundo sem fundo

Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão

Uma parte de mim pesa e pondera
Outra parte delira

Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta

Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte linguagem

Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morte
Será arte? Será arte?...

Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte linguagem

Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morte
Será arte? Será arte?...


Fonte: Dr. Zem

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Canteiros

Canteiros
Cecília Meireles
Música e Versão: Fagner
1973

A belíssima música "Canteiros" de "autoria" do cantor cearense Raimundo Fagner é uma das música mais polêmicas da história musical brasileira. Toda essa polêmica não tem a ver com a canção em si, mas com a autoria da mesma.

A canção foi lançada em 1973, no álbum de estreia do cantor, e, na ocasião, não fez lá muito sucesso. Posteriormente, quando o cantor já havia estourado lá na região sudeste, a música se tornou um grande sucesso. Na ocasião, foi aberto um processo criminal contra o cantor, pelas filhas da grande poetisa brasileira Cecília Meireles, por supostamente ter plagiado o poema "Marcha", de autoria da mesma.

Em 1979, durante uma audiência, ao ser interrogado no dia pelo Juiz Jaime Boente, na 16ª Vara Criminal, Fagner afirmou que ''sem tirar a beleza dos versos, procurou fazer uma adaptação à música'', reconhecendo o uso indevido do poema "Marcha", de Cecília Meireles, na composição "Canteiros". O próprio cantor, antes mesmo de ser acusado de plágio já tinha dividido a parceria da letra com Cecília Meireles e inclusive divulgando-a em release de show, em 1977.

Contudo, apesar deste fato, o processo continuou a se desenrolar, e em 1983, um jornal de circulação nacional destacou em letras garrafais:

''Caso Fagner: filhas de Cecília Meireles ganham na Justiça''

O título da matéria se referia ao fato de as herdeiras terem conseguido condenar as gravadoras Polygram, Polystar, Polifar, as Edições Saturno e o cantor Raimundo Fagner a pagar uma multa de Cr$ 101.000,00 por violação de direitos autorais.

A confusão envolvendo o cantor  e as herdeiras de Cecília Meireles somente chegou ao fim em 1999, quando a gravadora Sony Music fez um acordo com elas para a regravação da música, o que aconteceu em janeiro de 2000, em Fortaleza, no primeiro registro ao vivo das músicas do compositor cearense.


Para o Juiz Jaime Boente, Fagner violou a lei de número 5.988/73 que regula os direitos autorais e com a agravante de plágio, nos artigos 184 e 185 do Código Penal. Eis, a título de curiosidade e comparação com a letra cantada por Fagner, o poema ''Marcha'', original de Cecília Meireles:

''Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudade
Tenho visto muita coisa, menos a felicidade
Soltam-se meus dedos tristes
dos sonhos claros que invento
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento"
Fagner mudou algumas coisas e o trecho da música ficou assim:
''Quando penso em você, fecho os olhos de saudade
Tenho visto muita coisa, menos a felicidade
Correm dos meus dedos longos
os versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
já me dá contentamento"



Canteiros

Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me dá contentamento

Pode ser até manhã
Sendo claro, feito o dia
Mas nada do que me dizem
me faz sentir alegria

Eu só queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza
E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza ...
E deixemos de coisa, cuidemos da vida
Pois se não chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
São as águas de março fechando o verão
É promessa de vida em nosso coração


Marcha

As ordens da madrugada
romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.
Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebram as formas do sono
com a idéia do movimento.


Vamos a passo e de longe;
entre nós dois anda o mundo,
com alguns mortos pelo fundo.
As aves trazem mentiras
de países sem sofrimento.
Por mais que alargue as pupilas,
mais minha dúvida aumento.


Também não pretendo nada
senão ir andando à toa,
como um número que se arma
e em seguida se esboroa,
- e cair no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.


Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga
como qualquer fruto agreste.
Mesmo assim amarga, é tudo
que tenho, entre o sol e o vento:
meu vestido, minha música,
meu sonho e meu alimento.


Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudade;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.
Soltam-se os meus dedos ristes,
dos sonhos claros que invento.
Nem aquilo que imagino
já me dá contentameno.


Como tudo sempre acaba,
oxalá seja bem cedo!
A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.
O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento…
Não há lágrima nem grito:
apenas consentimento.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

Fanatismo

Fanatismo
Poema de Florbela Espanca
Música de Fagner
1923 / 1981

"Fanatismo", trata-se de um soneto da poetisa portuguesa Florbela Espanca. O poema foi musicado por Fagner e gravado no disco "Traduzir-se" de 1981.

"Fanatismo" é um soneto (dois quartetos e dois tercetos) publicado pela primeira vez no "Livro de Sóror Saudade", uma coletânea de 36 sonetos, editado em janeiro de 1923, cuja primeira edição de 200 livros esgotou-se rapidamente.

O poema foge, um pouco, dos argumentos melancólicos da maioria das poesias de Florbela Espanca, embora também se perceba componentes de dor e sofrimento. Desta vez, a poetisa optou por escancarar todo o seu amor e lirismo.

A paixão, nesta poesia, é levada ao extremo: "[...] Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: princípio e fim", justificando, plenamente, o título. O amor de Florbela Espanca, em "Fanatismo" é arrebatador. É tratado de forma hiperbólica, possessiva e, ao mesmo tempo, submissa, resultado, talvez, da eterna procura de um amado: "[...] a mesma história tantas vezes lida [...]".

Desde jovem, Florbela Espanca já dava sinais de onde iria buscar suas inspirações: as coisas da alma e seus conflitos internos, decorrência de uma vida marcada por desilusões, decepções e tragédias pessoais, temas que foram transportados de forma comovente para suas obras. Sua mãe, Mariana Toscana, não podia ter filhos. Florbela Espanca e Apeles, seu irmão mais novo, embora criados por Mariana Toscana, são frutos do relacionamento extraconjugal do pai, João Maria Espanca, com Antônia da Conceição Lobo.


Florbela de Alma Conceição Espanca (1894-1930), nasceu em Vila Viçosa, Portugal, e faleceu tragicamente em Matosinhos, Portugal. Ela cometeu suicídio ainda jovem, no dia do seu aniversário, 08/12/1930. A trajetória da, talvez, maior sonetista de Portugal não foi comum: sua mãe de criação morreu jovem aos 29 anos. O irmão querido, Apeles, faleceu em um trágico desastre de avião. A curta vida da escritora, ainda foi marcada por vários casamentos desfeitos.

Tantos acontecimentos em tão pouco tempo de vida, aliado a um estilo literário único e comportamento não usual para a época, transformaram a poetisa portuguesa em um verdadeiro mito, chegando a se tornar símbolo de movimentos feministas.

Na verdade, Florbela Espanca era poetisa de extremada sensibilidade, jovem triste que falava da dor e do amor sem economia na criatividade dos versos. Ser poeta, para Florbela, "é ser mais alto, é ser maior dos que os homens..." como ela deixa claro no soneto "Ser Poeta".

Já o autor da música, o cantor e compositor Fagner, é um mestre em musicar poemas. A grande maioria das belas poesias musicadas pelo cearense se tornou grande sucesso. Já passaram pelo seu violão, por exemplo, poemas da lavra de Cecília Meireles, Patativa do Assaré, Ferreira Gullar, dentre outros grandes nomes.

Uma curiosidade: em "Fanatismo", ao final da música, o compositor acrescentou trechos de "Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo", música que Roberto Carlos fez para o pai, uma licença poética para homenagear Roberto Carlos. O disco "Traduzir-se" foi gravado na Espanha por sugestão de Joan Manuel Serrat. Sobre a inclusão de "Fanatismo" no disco o cantor declarou:

"'Fanatismo' é um disco que marcou demais. Até hoje o pessoal do mundo do disco fala dele... foi disco de ouro, lançado no mundo inteiro. ...Este disco tinha uma ideia fechada, onde coube o 'Fanatismo' porque, na época, eu tinha que ter uma música em português.
A gravadora não entendeu e eu sabia que 'Años' iria tocar (música em espanhol que teve a participação de Mercedes Sosa), como aconteceu. Me pediram para gravar uma música só comigo cantando em português. Foi onde conheci o trabalho da Florbela Espanca, o Fausto me deu um livro lá em Portugal na volta desta viagem da Espanha. Fiz estas músicas, cheguei aqui e gravei. Deu para acoplar ainda no disco. Mas também foi uma música feita com a influência das coisas da região, veio no clima, não se afastou muito da ideia deste disco."



Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida,
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida.

Não vejo nada assim enlouquecida,
Passo no mundo, meu Amor, a ler.
No misterioso livro do teu ser,
A mesma história tantas vezes lida.

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."

Eu já te falei de tudo,
mas tudo isso e pouco,
diante do que sinto!



Fonte: Dr. Zen