quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Samba em Prelúdio

Samba em Prelúdio
Baden Powell e Vinícius de Moraes
1962

A música "Samba em Prelúdio" surgiu durante um encontro entre Baden Powell e Vinícius de Moraes. Esta é uma engraçada história contada pelo violonista Baden Powell, um dos maiores músicos do Brasil das décadas de 60 e 70, sobre a composição da música "Samba em Prelúdio", cuja letra Vinícius de Moraes fez.

O jeito leve e descontraído de ser de Baden Powell pode ser visto já numa das anedotas em que se envolveu. Certa vez, o músico chegou ao Teatro Record, em São Paulo, de sandálias e calças brancas direto do Rio Janeiro. Requisitado a ir para o hotel se trocar antes da apresentação, não quis. "Aqui você não vai cantar", disseram-no, e ele voltou imediatamente de taxi para a Cidade Maravilhosa.

Pena para os paulistanos que perderam na ocasião a oportunidade de ouvir música e histórias dessa grande personalidade. Em "Samba em Prelúdio"Baden Powell chamou Vinícius de Moraes, a quem considerava "mais que um pai", para ouvir a música que compusera.

Romântica e bela, a canção encontrou-se digna de uma letra de Vinícius de Moraes. Sentados à mesa com whisky e violão, iniciaram a empreitada criativa. Na terceira garrafa da bebida, enquanto a letra não saía, Vinícius de Moraes, constrangido, disse achar que a música era plagiada de Frédéric Chopin, ao que Baden Powell respondeu: "Você que bebeu demais e está implicando comigo!".

Quem resolveu o imbróglio foi Lucinha, então mulher de Vinícius de Moraes, acordada às 3:00 hs da madrugada, já que era pianista e fã de Frédéric Chopin, para descobrir se a música tinha ou não sido copiada de uma obra do compositor polaco do século XIX.

Ao constatar que as notas realmente eram originais de Baden PowellVinícius de Moraes ficou sem graça e disse: "Então, Baden, Chopin esqueceu de fazer essa".

Questão solucionada, Vinícius de Moraes pôde, finalmente, sentar-se à máquina de escrever e de uma vez fazer a letra inteira da música "Samba em Prelúdio".


A história contada na íntegra por Baden Powell:
"Vinícius de Moraes foi mais que um pai pra mim. Foi um amigo que ficou inesquecível no coração da gente. Nós vinhamos muitas vezes aqui para Petrópolis acabar de compor as músicas, e numa dessas vindas eu cheguei na casa do Vinícius e falei assim:
- Olha Poetinha, eu fiz uma música e acho que essa música tem um negócio muito bom, e ela é uma música bem apaixonante, ela é cheia de amor e tal.
Eu toquei a música pra ele. Ele gostou, falou:
- Mas que música... vai dar uma letra de amor muito bonita!
Então pra começar nós arrumamos a mesa, botamos aquela garrafinha de whisky, o violão. Ficamos nós três ali, o violão, eu e Vinícius... e a garrafa também (risos). Nesta época nós enxugávamos bem uma garrafinha de whisky.
Quando foi lá pras tantas, três horas da manhã, nós estávamos já na terceira garrafa e eu cheguei perto do Vinícius e falei assim:
- Oh Vinícius, tá tudo bem, nós já estamos, acho, quase bêbados não é? E a letra do samba até agora não saiu não é Vinícius?
Ele falou assim:
- Não Baden, sabe o que é que é? Aconteceu uma coisa aqui e eu não quero te contar não. mas eu... eu vou deixar essa letra pra lá. Eu não vou fazer essa letra mais hoje não!
- Mas o que é que houve Vinícius?
- Não houve nada não, coisas...
- Não, mais agora você vai pois afinal de contas Vinícius, eu cheguei aqui nove horas da noite e n ós já tocamos essa música, já estamos na terceira garrafa e você vem dizer que não dá?
- Não, não... é uma coisa muito desagradável , depois eu falo!
- Não, nós estamos em quatro paredes, eu, você e tal... não tem mais ninguém, conversa de amigos, então conta o que aconteceu, o que é que houve?
- Não Baden, é uma coisa desagradável, não queria te falar, mas... o que acontece é o seguinte: Eu acho que essa música é plágio!
- Plágio? Porque você não me disse antes? Eu não tinha tocado tantas vezes até agora!
- É plágio Baden e depois não vai ficar bem, vai sair nos jornais: 'Baden e Viníciius plageiam'
Eu falei assim:
- Não Vinícius, tudo bem, essa música não é plágio, mas diga: Plágio de quem?
- Isso é claro Baden, isso aí é Chopin!
- Não Vinícius, eu conheço Chopin. Conheço os Prelúdios Noturnos de Chopin e não tem nada a ver com Chopin.
- Isso é Chopin, você não me engana, eu tenho ouvido Baden. Você não me engana, isso é Chopin. Você bebeu demais, talvez e tal... fez uma música e pensou que era sua e não é... você tava fazendo uma música de Chopin!
- Eu falei assim:
- Não Vinícius, eu acho que quem bebeu demais foi você. Você está implicando comigo!
Sabe quando a pessoa bebe demais, acende o cigarro do lado contrário, não amarra o sapato... aquelas coisas!
- Então eu vou acabar com essa dúvida. Eu vou chamar a minha mulher, a Lucinha, e ela vai te dizer se é plágio ou não, porque o compositor preferido dela e Chopin e ela toca piano, tem curso e tal!
- Não Vinícius, não vai acordar ela, são três horas da manhã... nós bebemos qualquer coisa né? Acordar ela agora? A gente tá com esse bafo de onça Vinícius... não tá direito!
- Não... não... não... não se incomode não! Ela já está acostumada!
Aí ele foi lá acordar. Ela veio na sala e disse:
- Boa noite! Vocês querem um café com leite?
Eu disse:
- Não... não... não mistura não... se não vai piorar a situação! (risos)
Aí o Vinícius disse:
- Toca a música Baden!
Eu toquei, toquei, toquei.
- Toca de novo!
Eu toquei.

Ela ficou olhando e disse:
- Afinal de contas essa música é uma beleza, é muito bonita, uma música romântica.
Aí o Vinícius ficou olhando assim pra ela falou:
- E você não diz nada?
- Nada o que Vinícius?
- Isso aí é Chopin!
- Não Vinícius. Isso aí não é Chopin, eu conheço as coisas de Chopin!
Aí o Vinícius ficou se graça e falou pra ela assim:
- Até você tá contra mim?
- Mas ninguém está contra você!
Aí ele ficou sem graça, ficou olhando e disse:
- Quer dizer que não é Chopin não, não é?
Aí ele chegou olhou pra mim e disse assim:
- Então Baden, Chopin esqueceu de fazer essa!
Aí ele foi pra máquina de escrever e de uma só vez, nunca mais esqueci, ele escreveu esta letra por inteiro!

(Baden Powell)



Samba em Prelúdio

Eu sem você
não tenho porquê
Porque sem você
não sei nem chorar
Sou chama sem luz
jardim sem luar
Luar sem amor
amor sem se dar

Eu sem você
sou só desamor
Um barco sem mar
um campo sem flor
Tristeza que vai
tristeza que vem
Sem você, meu amor
eu não sou ninguém

Ah, que saudade
que vontade de ver renascer nossa vida
Volta, querido
meus abraços precisam dos teus
teus abraços precisam dos meus
Estou tão sozinho
Tenho os olhos cansados de olhar para o além
Vem ver a vida

Sem você, meu amor
eu não sou ninguém
Sem você, meu amor
eu não sou ninguém

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